Série Ressonâncias: Beethoven: A Revolução Musical – Programa e notas

Programa
Ludwig van Beethoven (1770 – 1827)
Quarteto de cordas nº 11 em Fá menor op.95 “Serioso” (1810)
Allegro con brio
Allegretto ma non troppo
Allegro assai vivace ma serioso
Larghetto espressivo – Allegretto Agitato – Allegro
Alexander Borodin (1833 – 1887)
Quarteto de Cordas nº 1 em Lá maior (1873-1879)
– Moderato – Allegro
– Andante con moto
– Scherzo. Prestissimo – Trio. Moderato
– Andante – Allegro risoluto
Notas de Programa
O quarteto serioso de Beethoven é uma obra especial dentro da sua produção completa. É o mais breve e intenso de todos seus quartetos e antecipa os elementos de estilo que serão associados aos seus últimos quartetos, cuja série começaria mais de uma década depois. O quarteto em Fá menor parece ser a necessidade imperiosa e dramática de expressar algo que não podia continuar em silêncio, e as intenções sérias deste propósito foram inclusive postas em palavras pelo próprio compositor, pois o epíteto ‘serioso’ é dele. Beethoven disse que esta obra havia sido escrita para um pequeno grupo de connoisseurs, e que não devia ter execuções públicas. De fato, foi composto em 1810 (quiçá um pouco depois), estreado privadamente em 1814 e publicado apenas em 1816. As razões disto podem não resultar claras para o ouvinte moderno exposto a todo tipo de música e estilos, mas na época, as sonoridades ásperas deste quarteto, as relações tonais audaciosas, as liberdades na forma sonata, a forte expressão de desassossego, não encontrariam paralelo não apenas em outra música da época, mas até mesmo na mais dramática literatura.
O começo do quarteto, em fortes oitavas, executadas por todos os instrumentos, remete ao primeiro de seus quartetos –curiosamente, em Fá maior– mas a técnica da concisão das ideias e a expressão agitada levam aqui a um mundo expressivo muito diferente.
O segundo movimento, está escrito numa tonalidade normalmente escolhida para música poderosa e brilhante, e que nos instrumentos de arco soa esplendidamente, mas Beethoven escreve uma música que parece contradizer absolutamente todas as características normalmente associadas a essa tonalidade; ele cria uma música que não é agitada, mas intranquila, introduz um tema fugado com tintes cromáticos, que vão escurecendo o que de luminoso poderia ter tido esse Ré maior. O terceiro movimento, que faz a vez do scherzo, é admirável, com uma acentuação rítmica feroz, que tenta ser dissipada na seção central, através de notas longas e uma expressão aparentemente mais serena; mas é uma falsa calma, a própria escolha da tonalidade cria um agressivo contraste com o anterior. O quarteto não possui movimento lento, e essa função recai na introdução do finale, uma larghetto carregado de expressão. Segue-se um allegretto agitato, que confirma a unidade de expressão desta obra prima. Infelizmente, como se a carga emocional deste quarteto beirasse o insuportável (imaginemos a exaltação romântica e o fervor da época) Beethoven adiciona uma brilhante coda em Fá maior que não tem muita relação com todo o percurso da obra até agora, o que levou ao famoso compositor Vincent D’Indy declarar que parecia o final de uma ópera de Rossini e que “nenhuma interpretação poderia diminuir esse erro de um gênio”.
Alexander Borodin dizia que era um ‘compositor de domingos que se esforçava por ser desconhecido’. Ele era um químico de renome e este trabalho lhe deixava pouco tempo para compor. Ironicamente, a que é considerada como a página de música de câmara russa mais bela já composta, foi escrita por ele: se trata do noturno de seu quarteto de cordas em Ré maior. Isto tem eclipsado, em boa medida, seu primeiro quarteto de cordas, também de extraordinária beleza. Nessa obra, Borodin se propôs fazer música eminentemente russa, todavia, curiosamente, depois de uma introdução lírica, que parece um canto folclórico –embora seja de cunho próprio– surge o primeiro tema da forma sonata, e resulta ser uma melodia de Beethoven.
Umas pequenas variantes e os delicados ornamentos a transformam numa melodia que assumiríamos ser perfeitamente russa! Como e porquê Borodin escolheu ou chegou a esse tema, é um mistério, mas resulta interessante saber que a melodia emprestada para o allegro do primeiro quarteto pertence a um novo final que Beethoven escreveu para seu quarteto opus 130, aquele que contém uma fuga gigantesca que não foi bem recebida na época. Esse final adicional foi a última música que Beethoven escreveu, uns poucos meses antes de falecer.
Se no quarteto serioso havia poucos momentos de sossego, neste quarteto de Borodin há poucos momentos de grande tensão, se trata antes do que mais nada, de uma obra plena de lirismo, que emana uma alegria interior de paz e beleza. O segundo movimento é mais introspectivo, e está baseado efetivamente num canto popular russo. Variantes são introduzidas e desembocam num fugato cromático que tensa um pouco o discurso sem abdicar do lirismo; o tema inicial volta novamente. O scherzo é notável pela sua vivacidade rítmica e pelo seu inteligente uso dos harmônicos, que recriam o som de uma harmônica de cristal.
O finale, também se inicia com uma misteriosa introdução lenta e é seguida por um allegro em forma sonata e em modo menor, caraterizado por um motivo de um ritmo marcante; contudo, o lirismo do compositor não demora a reaparecer, com a chegada do segundo tema. Então, a alternância destas ideias, vão criando o percurso deste movimento até concluir de maneira otimista e brilhante uma obra onde tudo flui com facilidade, ocultando que, para um resultado assim é preciso uma mão de mestre, por mais que se esforçasse em ser desconhecido…
Marcos Pablo Dalmacio