Série Ressonâncias: Maurice Ravel – Notas de Programa

Série Ressonâncias: Maurice Ravel – Notas de Programa

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Notas de Programa

Maurice Ravel (1875 – 1937)

Quarteto de cordas em Fá maior (1903)

Dedicado a Gabriel Fauré

I. Allegro moderato. Très doux

II. Assez vif – Très rythmé

III. Très lent

IV. Vif et agité

Na história de prêmios famosos, há alguns que são conhecidos não somente devido às pessoas que os obtiveram senão também a alguns ilustres nomes que não ganharam esse galardão, e os exemplos são mais numerosos do que poderíamos pressupor. Na literatura, o prêmio Nobel, ganhou um irônico destaque por não ter sido outorgado ao brilhante Jorge Luis Borges, considerado por público e crítica como o mais genial escritor em língua espanhola do século XX. Outro prêmio ilustre, e com uma longa história é o Prix de Rome, que data do século XVII, quando começou com pintura e escultura, e que em 1803 adicionou a música. O prêmio consistia numa estadia de vários anos na Villa Médici de Roma, financiada pelo estado francês. O Prix de Rome continuou até 1968. Grandes nomes da música obtiveram esse reconhecimento, uma conquista difícil, devido à quantidade, à exigência e ao rigor das regras e normas a serem cumpridas na competição. Quiçá o caso mais notável de um compositor importante, que inclusive já possuía certa fama, e que não obteve o prêmio, foi o de Maurice Ravel.

Entre 1900 e 1905, Ravel participou cinco vezes desta competição, obteve o segundo prêmio em 1901, e não participou no ano 1904. Na sua última tentativa, foi eliminado na ronda preliminar, o que causou um escândalo na época, ecoada na prensa. O público não podia entender por que um compositor já famoso, e que havia obtido o segundo prêmio quatro anos atrás, era sumariamente desclassificado. Por esta época já se conhecia a famosa Pavane pour une infante défunte, seus Jeux d’eau (jogos d’agua) ou o ciclo de canções orquestrais Shéhérazade.

Apesar de que Ravel se esforçava meticulosamente em cumprir com todas as exigências técnicas da competição, que eram de um cunho muito conservador, e o fazia com grande talento e perícia, só o fato de que publicamente era considerado como um músico da Avant-garde (vanguarda) possivelmente gerava uma desconfiança antecipada no júri, que zelava por manter as tendências conservadoras do concurso. Compositores que em seu tempo tampouco se ajustavam a essas características, tiveram que abdicar de algumas manifestações demasiado pessoais para obter o prêmio, como Hector Berlioz e Claude Debussy.

No meio desse período de participação na famigerada competição, Ravel compôs seu único quarteto de cordas e uma das poucas obras de música de câmara de sua produção. A obra se inspira no quarteto de Debussy, também único de sua produção, escrito uma década antes, seguindo a estrutura clássica do gênero, mas dando amostras de uma personalidade musical muito bem definida e com ideias próprias de seu tempo na França. Quiçá, talvez um pouquinho à frente, pois sua música, como a de Debussy, os dois grandes compositores franceses catalogados como impressionistas, era tida como provocativa, ousada, e um pouco incômoda às vezes.

Apesar das críticas encontradas durante as estreias da obra na França, Inglaterra e Alemanha, a obra não demorou muito a se estabelecer no repertório como uma das mais queridas do gênero –que é o mais importante na música de câmara– inclusive pese ás suas grandes exigências técnicas aos intérpretes.

Ao precioso lirismo do primeiro movimento, na tradicional forma sonata, segue uma peça rápida de notável impulso rítmico, que explora o colorido instrumental do quarteto de forma magistral, com extenso uso do pizzicato, trêmulos, surdina, arpejos entre várias cordas, e engenhosas combinações.

O movimento lento é introspectivo e resulta de uma transformação muito sutil de melodias dos movimentos anteriores. E no final, o ímpeto rítmico se combina com vislumbres de lirismo que tenta evocar melodias dos movimentos anteriores, deixando uma sensação como a de termos visto algo que nos resulta familiar, mas através do prisma do sonho…

Marcos Pablo Dalmacio