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Notas de Programa

Clara e Robert Schumann: Paixão e Criatividade

Clara Wieck Schumann (1819-1896)

Trio com piano em Sol menor, Opus 17 (1846)

Allegro moderato

Scherzo: Tempo di Menuetto

Andante

Allegretto

Robert Schumann (1810-1856)

Quinteto para piano e cordas em Mi bemol maior, Opus 44 (1842)

Allegro brillante

In Modo d’uma Marcia. Un poco largamente

Scherzo. Molto vivace – Trio I – Trio II

Allegro ma non troppo

Num mundo como o de hoje, onde impera o realismo mais descarnado, a curiosidade de ver detalhes minúsculos e insignificantes da vida de pessoas desconhecidas e carentes de qualquer interesse, onde o acesso à informação é instantâneo e sem esforço, num mundo assim, o lugar para a metáfora, para a contemplação e o devaneio poético, tem ficado restrito no tempo e no espaço da vida cotidiana. Queremos histórias que nos emocionem e nos inspirem, que voem acima da vida prosaica para mostrar-nos outros caminhos, e, ao mesmo tempo, quando elas chegam, desconfiamos com sarcasmo de sua verossimilitude, e queremos reduzi-las a meras fórmulas, para comprovar a sua eficácia. Como se uma história precisasse ser verdadeira para exercer seu efeito.

Tal acontece com o amor mais célebre da história da música. Até algum tempo atrás ainda se apresentava como o idílio da perfeita consumação romântica de um casal que compartilhava os ideais e devaneios artísticos, e cujo amor perseverou acima das dificuldades surgidas desde o mesmo início dessa história. Visões mais recentes tem querido mostrar aspectos menos encantadores da relação, as mágoas, os anelos não concretizados, as mazelas da vida cotidiana.

Em cartas de Robert a Clara, ele se regozija imaginando sua futura vida juntos, fazendo música, estudando contraponto em casa, mostrando-se as composições, sendo uma inspiração um para o outro. Na vida real, Clara teria várias crianças pela casa, estaria grávida frequentemente, não poderia estudar o piano –e estamos falando de uma grande concertista– enquanto seu esposo estivesse trabalhando em alguma composição, para não o distrair, e ainda teria que ser o suporte emocional e artístico dele, que anos mais tarde começaria dar mostra de perda da cordura. Poderíamos ver mais e mais detalhes dessa realidade que não era exatamente o sonho que vislumbravam antes de consumar seu amor, mas eis que a imagem do idílio é mais bela, mais duradoura, mais inspiradora, para nós e para eles, como de fato demonstram as obras desses anos!

Quando escutamos uma obra de arte, estamos num momento de realidade incontestável, e ao mesmo tempo, nas portas do mundo do devaneio e dos sonhos; por que não nos deixarmos encantar mais uma vez por esse mundo de sublime fantasia que provavelmente foi tecida com os laços do amor desses seres que buscaram se unir para compartilhar um elevado ideal?

O trio de Clara

Clara compõe seu trio com piano em 1846, e resultará a obra melhor acabada e mais importante de sua produção. Excetuando o concerto para piano que escrevera entre os treze e os dezesseis anos, para exibir suas qualidades de concertista, o trio é primeira obra que utiliza mais instrumentos que o piano. Ela escreveu no seu diário: “não há nada maior do que a alegria de compor algo e depois poder escutá-lo”. Pensava que essa obra estava bem conseguida. E de fato, se trata de uma obra sólida, com belas ideias musicais em todos os movimentos, trabalhadas com destreza. Possivelmente, a eleição da tonalidade, Sol menor –que havia escolhido também para sua sonata para piano, a única obra anterior estruturada em vários movimentos– respondia à seriedade das intenções. Um sólido primeiro movimento em forma sonata concatena as belas ideias com um firme domínio da forma. No segundo movimento, Clara escreve um scherzo em tempo di menuetto, de maneira mais inocente do que irônica. No movimento lento temos um romance encantador, tingido de uma suave melancolia, e nos recorda aos irmãos Mendelssohn. De fato, Clara havia pensado dedicar seu trio a Fanny Mendelssohn, a quem admirava muito, mas ela faleceu antes da obra ser publicada e a dedicatória não se efetivou. No finale, Clara faz gala de seu domínio do contraponto, produto do tempo de seus estudos da matéria em conjunto com seu esposo, apresentando um belo e efetivo fugato no meio do movimento. A coda está muito bem conseguida e leva a feliz término uma obra encantadora.

O quinteto de Robert

Schumann dedicou seu quinteto a sua esposa Clara. Nos primeiros anos de matrimonio a veia criadora de Robert se expandiu notavelmente. Clara tinha lhe recomendado que não se dedicasse a compor apenas para o piano, mas que escrevesse música de câmara e para orquestra, para consolidar a reputação como um dos importantes compositores da época. Eis o que Robert fez, escrevendo concertos, aberturas e sinfonias. Nesses primeiros anos felizes, excelentes canções e música de câmara viram a luz, e entre elas, o célebre quinteto com piano, um dos mais apreciados de toda a história da música.

Poucas são as obras que nos primeiríssimos compassos conseguem expressar um tipo de felicidade e regozijo que, talvez afortunadamente, não poderia ser manifestado em palavras.

Como corresponde à claridade da forma sonata, chega o segundo tema, mas aqui acontece algo mágico: mesmo se tivermos o firme propósito de escutar esta música analiticamente, Schumann nos invade com uma poesia capaz de vencer-nos instantaneamente sem apresentarmos nenhuma oposição. Isto é inspiração!

O segundo movimento, in modo d’una marcia (em modo de uma marcha) muda completamente a expressão: se de uma marcha se trata, só pode ser fúnebre, com seu devido canto consolatório e com a explosão de sonoridade quando o sentimento é demasiado para continuar contido. Um dos movimentos lentos mais notáveis de todo o romantismo.

O scherzo retoma o caráter do primeiro movimento, mas propõe um impulso inquieto que permeia toda a peça. O finale é esplêndido, habilmente Schumann cria um tema de fuga que só se revelará como tal mais adiante no movimento, coroando uma das grandes obras primas da música do século XIX.

O programa de hoje nos convida a refletir sobre o poder do amor como meio de transformação ideal, que, sem esquecer da realidade que a vida apresenta no dia a dia, é capaz de dar-lhe novos significados e sublimá-la, porque, afinal de contas, estas obras nos mostram que os sonhos podem se tornar realidade.

Marcos Pablo Dalmacio
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A última edição do ano da Série Ressonâncias | Ciclo de Música de Câmara apresenta obras de Clara e Robert Schumann, dois dos maiores compositores do romantismo. A noite será uma celebração do legado do casal de pianistas alemães. Sexta, dia 12 de setembro, às 20h, no Piso G2 (estacionamento) do Villa Romana Shopping, na Capital. Gratuito. 

O concerto Clara e Robert Schumann: Paixão e Criatividade explora o relacionamento romântico e criativo entre Clara Schumann (1819-1896) e Robert Schumann (1810-1856). O casamento entre os dois músicos é considerado um dos mais anticonvencionais da história da música e foi caracterizado pelo apoio e influência artística mútua. 

Obras essenciais do romantismo compostas pelos dois serão interpretadas por um quinteto de piano e cordas formado por Daniel Green no piano, Juan Rossi e Ricardo Müller nos violinos, Pedro Bernardo na viola e Lucas Ropelato no violoncelo.  Os músicos apresentarão Piano Trio em Sol menor, Op. 17 (1846), de Clara; e Quinteto para Piano em Mi bemol maior, Opus 44. (1842), de Robert — essa última um exemplo de drama e lirismo que representa profundidade emocional do compositor. 

A Série Ressonâncias – Ciclo de Música de Câmara estreou em maio na Capital com o propósito de levar música clássica e repertórios que atravessam séculos — de Beethoven a Piazzolla — para o cotidiano das pessoas. Por isso, em vez de teatro, as apresentações ocorrem sempre no Piso G2 do Villa Romana Shopping. 

É o mesmo espaço que já tradicionalmente recebe, uma vez por mês, espetáculos de jazz pelo projeto Sexta Jazz AF, da Aliança Francesa de Florianópolis. O concerto de setembro é o último da primeira temporada do projeto. 

A Série Ressonâncias é viabilizada pela Prefeitura Municipal de Florianópolis, Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer e Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Florianópolis. Apoio cultural do Villa Romana Shopping. Produção da Marte Cultural. 

 

Agende-se


Série Ressonâncias | Ciclo de Música de Câmara:  Clara e Robert Schumann: Paixão e Criatividade
Quando: 12 de setembro, às 20h
Onde: Piso G2 (estacionamento) do Villa Romana Shopping, Florianópolis
Gratuito

 

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Quando?

11 de julho de 2025

Onde?

Villa Romana Shopping

No concerto Piazzolla: Tango de Fato, o quarteto apresentou obras emblemáticas compostas por Piazzolla.


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Notas de Programa

Maurice Ravel (1875 – 1937)

Quarteto de cordas em Fá maior (1903)

Dedicado a Gabriel Fauré

I. Allegro moderato. Très doux

II. Assez vif – Très rythmé

III. Très lent

IV. Vif et agité

Na história de prêmios famosos, há alguns que são conhecidos não somente devido às pessoas que os obtiveram senão também a alguns ilustres nomes que não ganharam esse galardão, e os exemplos são mais numerosos do que poderíamos pressupor. Na literatura, o prêmio Nobel, ganhou um irônico destaque por não ter sido outorgado ao brilhante Jorge Luis Borges, considerado por público e crítica como o mais genial escritor em língua espanhola do século XX. Outro prêmio ilustre, e com uma longa história é o Prix de Rome, que data do século XVII, quando começou com pintura e escultura, e que em 1803 adicionou a música. O prêmio consistia numa estadia de vários anos na Villa Médici de Roma, financiada pelo estado francês. O Prix de Rome continuou até 1968. Grandes nomes da música obtiveram esse reconhecimento, uma conquista difícil, devido à quantidade, à exigência e ao rigor das regras e normas a serem cumpridas na competição. Quiçá o caso mais notável de um compositor importante, que inclusive já possuía certa fama, e que não obteve o prêmio, foi o de Maurice Ravel.

Entre 1900 e 1905, Ravel participou cinco vezes desta competição, obteve o segundo prêmio em 1901, e não participou no ano 1904. Na sua última tentativa, foi eliminado na ronda preliminar, o que causou um escândalo na época, ecoada na prensa. O público não podia entender por que um compositor já famoso, e que havia obtido o segundo prêmio quatro anos atrás, era sumariamente desclassificado. Por esta época já se conhecia a famosa Pavane pour une infante défunte, seus Jeux d’eau (jogos d’agua) ou o ciclo de canções orquestrais Shéhérazade.

Apesar de que Ravel se esforçava meticulosamente em cumprir com todas as exigências técnicas da competição, que eram de um cunho muito conservador, e o fazia com grande talento e perícia, só o fato de que publicamente era considerado como um músico da Avant-garde (vanguarda) possivelmente gerava uma desconfiança antecipada no júri, que zelava por manter as tendências conservadoras do concurso. Compositores que em seu tempo tampouco se ajustavam a essas características, tiveram que abdicar de algumas manifestações demasiado pessoais para obter o prêmio, como Hector Berlioz e Claude Debussy.

No meio desse período de participação na famigerada competição, Ravel compôs seu único quarteto de cordas e uma das poucas obras de música de câmara de sua produção. A obra se inspira no quarteto de Debussy, também único de sua produção, escrito uma década antes, seguindo a estrutura clássica do gênero, mas dando amostras de uma personalidade musical muito bem definida e com ideias próprias de seu tempo na França. Quiçá, talvez um pouquinho à frente, pois sua música, como a de Debussy, os dois grandes compositores franceses catalogados como impressionistas, era tida como provocativa, ousada, e um pouco incômoda às vezes.

Apesar das críticas encontradas durante as estreias da obra na França, Inglaterra e Alemanha, a obra não demorou muito a se estabelecer no repertório como uma das mais queridas do gênero –que é o mais importante na música de câmara– inclusive pese ás suas grandes exigências técnicas aos intérpretes.

Ao precioso lirismo do primeiro movimento, na tradicional forma sonata, segue uma peça rápida de notável impulso rítmico, que explora o colorido instrumental do quarteto de forma magistral, com extenso uso do pizzicato, trêmulos, surdina, arpejos entre várias cordas, e engenhosas combinações.

O movimento lento é introspectivo e resulta de uma transformação muito sutil de melodias dos movimentos anteriores. E no final, o ímpeto rítmico se combina com vislumbres de lirismo que tenta evocar melodias dos movimentos anteriores, deixando uma sensação como a de termos visto algo que nos resulta familiar, mas através do prisma do sonho…

Marcos Pablo Dalmacio

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Apresentação integra a Série Ressonâncias – Ciclo de Música de Câmara e ocorre no piso G2 do Villa Romana Shopping Em agosto, a Série Ressonâncias apresenta a obra de dois compositores de grande relevância na história: Beethoven e Ravel. Embora de períodos distintos, eles influenciaram significativamente o desenvolvimento da música ocidental até hoje. O espetáculo  Beethoven: A Revolução Musical + Ravel: L’avant-garde será no dia 8 de agosto, às 20h, no Piso G2 (estacionamento) do Villa Romana Shopping, na Capital. Gratuito.  Enquanto o alemão Ludwig van Beethoven (1770-1827), pianista e compositor do período clássico tardio e do romantismo inicial, é conhecido pela inovação na forma e expressão musical, o francês Maurice Ravel (1875-1937) foi um pianista e compositor mestre do impressionismo e que refinou a linguagem harmônica e orquestral.  O concerto terá formação de quarteto de cordas. De Beethoven, os músicos Juan Rossi (violino), Ricardo Müller (violino), Pedro Bernardo (viola) e Tácio Vieira (violoncelo) interpretarão obras conhecidas como o Quarteto de Cordas No. 14 em Dó sustenido menor, Op. 131, uma das obras-primas tardias de Ludwig van Beethoven (1770-1827), e o String Trio No. 4, Op. 9, No. 3, ambas conhecidas pela densidade emocional e ousadia estrutural. Já de Ravel, o quarteto destaca obras que marcaram a transição da música clássica para a modernidade com obras que mesclam introspecção e inovação, como o Quarteto em Fá maior. A Série Ressonâncias – Ciclo de Música de Câmara estreou em maio na Capital com o propósito de levar música clássica e repertórios que atravessam séculos — de Beethoven a Piazzolla — para o cotidiano das pessoas. Por isso, em vez de teatro, as apresentações ocorrem sempre no Piso G2 do Villa Romana Shopping. É o mesmo espaço que já tradicionalmente recebe, uma vez por mês, espetáculos de jazz pelo projeto Sexta Jazz AF, da Aliança Francesa de Florianópolis.   

Democratizando a Música de Câmara

A Série Ressonâncias – Música de Câmara nasceu da vontade de democratizar o acesso à música de câmara, mas de um jeito diferente do habitual. Em vez de deslocar o público até o teatro, formações clássicas se apresentam no meio do cotidiano das pessoas. Esta é a terceira edição da Série.  A quarta e última está marcada para setembro, quando o palco do projeto exaltará a obra de Clara e Robert Schumann.  A Série Ressonâncias é viabilizada pela Prefeitura Municipal de Florianópolis, Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer e Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Florianópolis. Apoio cultural do Villa Romana Shopping. Produção da Marte Cultural.   

Agende-se

Série Ressonâncias | Ciclo de Música de Câmara:  Beethoven: A Revolução Musical + Ravel: L’avant-garde Quando: 8 de agosto, às 20h Onde: Piso G2 (estacionamento) do Villa Romana Shopping, Florianópolis Gratuito

 
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Programa

Ludwig van Beethoven (1770 – 1827)

Quarteto de cordas nº 11 em Fá menor op.95 “Serioso” (1810)

Allegro con brio

Allegretto ma non troppo

Allegro assai vivace ma serioso

Larghetto espressivo – Allegretto Agitato – Allegro

Notas de Programa

O quarteto serioso de Beethoven é uma obra especial dentro da sua produção completa. É o mais breve e intenso de todos seus quartetos e antecipa os elementos de estilo que serão associados aos seus últimos quartetos, cuja série começaria mais de uma década depois. O quarteto em Fá menor parece ser a necessidade imperiosa e dramática de expressar algo que não podia continuar em silêncio, e as intenções sérias deste propósito foram inclusive postas em palavras pelo próprio compositor, pois o epíteto ‘serioso’ é dele. Beethoven disse que esta obra havia sido escrita para um pequeno grupo de connoisseurs, e que não devia ter execuções públicas. De fato, foi composto em 1810 (quiçá um pouco depois), estreado privadamente em 1814 e publicado apenas em 1816. As razões disto podem não resultar claras para o ouvinte moderno exposto a todo tipo de música e estilos, mas na época, as sonoridades ásperas deste quarteto, as relações tonais audaciosas, as liberdades na forma sonata, a forte expressão de desassossego, não encontrariam paralelo não apenas em outra música da época, mas até mesmo na mais dramática literatura.

O começo do quarteto, em fortes oitavas, executadas por todos os instrumentos, remete ao primeiro de seus quartetos –curiosamente, em Fá maior– mas a técnica da concisão das ideias e a expressão agitada levam aqui a um mundo expressivo muito diferente.

O segundo movimento, está escrito numa tonalidade normalmente escolhida para música poderosa e brilhante, e que nos instrumentos de arco soa esplendidamente, mas Beethoven escreve uma música que parece contradizer absolutamente todas as características normalmente associadas a essa tonalidade; ele cria uma música que não é agitada, mas intranquila, introduz um tema fugado com tintes cromáticos, que vão escurecendo o que de luminoso poderia ter tido esse Ré maior. O terceiro movimento, que faz a vez do scherzo, é admirável, com uma acentuação rítmica feroz, que tenta ser dissipada na seção central, através de notas longas e uma expressão aparentemente mais serena; mas é uma falsa calma, a própria escolha da tonalidade cria um agressivo contraste com o anterior. O quarteto não possui movimento lento, e essa função recai na introdução do finale, uma larghetto carregado de expressão. Segue-se um allegretto agitato, que confirma a unidade de expressão desta obra prima. Infelizmente, como se a carga emocional deste quarteto beirasse o insuportável (imaginemos a exaltação romântica e o fervor da época) Beethoven adiciona uma brilhante coda em Fá maior que não tem muita relação com todo o percurso da obra até agora, o que levou ao famoso compositor Vincent D’Indy declarar que parecia o final de uma ópera de Rossini e que “nenhuma interpretação poderia diminuir esse erro de um gênio”.

Marcos Pablo Dalmacio

 

A Série Ressonâncias é viabilizada pela Prefeitura Municipal de Florianópolis, Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte e Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Florianópolis. Apoio cultural do Villa Romana Shopping. Produção da Marte Cultural. 

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Programa

Por una Cabeza – Carlos Gardel – 1935
La Cumparsita –  Gerardo Matos Rodríguez
El Choclo – Aníbal Villoldo
Tango de fato?
Trenzas – Armando Pontier – 1945 Danzarín – Julian Plaza – 1958? Romance de Barrio – Aníbal Troilo – 1947
Criolla – Luis Gianneo Tango – Issak Albeniz
Composições de Astor Piazzola:
Oblivion Fuga y Misterio Libertango Four For Tango   La Muerte del Angel Milonga en Re Adiós Nonino

Notas de Programa

Tango de fato?

Normalmente, pensamos através de associações de ideias e comparações vinculadas a imagens que ilustram a clareiam os conceitos que tentamos compreender. Na maioria dos casos, estas imagens surgem de maneira espontânea e imediata, sem precisarmos evoca-las. Por exemplo, se escutamos a palavra ‘neve’, instantaneamente pensamos na cor branca e a associamos com o frio, quiçá antes mesmo de que o conceito total tenha sido enunciado. Antes de contextualizar num árduo e solitário caminho na intempérie ou no gentil abrigo de uma casa aquecida na qual tomamos uma ceia enquanto contemplamos a neve caindo lá fora.

Conforme o enunciado acontece, diversas possibilidades de nuances vão mudando; contudo, dificilmente as nossas associações primárias são modificadas.

Quando escutamos a palavra ‘tango’, quiçá a primeira associação de uma grande maioria das pessoas seja o país Argentina e mais precisamente a cidade de Buenos Aires e logo alguma imagem de um casal em posição de dança, dessa dança. Isto nos indica que a força de associação dessa palavra é verdadeiramente notável, porque bem sabemos que o tango não pode ser apenas isso.

Do mesmo modo em que a neve pode se manifestar numa grande diversidade de situações e que as tonalidades desse branco podem ser incrivelmente variadas, o tango, como música, como dança, nos apresenta um mundo de possibilidades que vão muito além das nossas primeiras e poderosas associações involuntárias.

Possivelmente, quando se pensa num nome próprio vinculado à palavra tango, Piazzolla seja o primeiro do que depois poderia ser uma longa lista de nomes ilustres. E, ironicamente, como durante vida de Ástor a crítica insistia em dizer que o que ele fazia não era tango, ele dizia que era ‘música de Buenos Aires’. Se não for Piazzolla o primeiro nome próprio a vir à mente, então possivelmente seja Gardel. E nessa plêiade de homens e mulheres que viveram por e para o tango, não é por acaso que estes dois nomes surgem em primeiro lugar em praticamente qualquer canto do mundo. Poderíamos dizer que Gardel foi o emblema do tango primeira metade do século XX, e Piazzolla da segunda. Com Piazzolla, temos o tango na sala de concertos, tocado por grupos profissionais, solistas e orquestras. Mas as origens do tango estavam muito longe desses holofotes, eram humildes e sem pretensões. Havia surgido nos cabarés das cidades portuárias, com uma incrível mistura social das classes baixas, imigrantes e população local que na sua maioria era descendente de indígenas e escravos africanos. Por isso essa música contém em si uma grande variedade de influências, como o candombe uruguaio, o candombe portenho, a habanera (oriunda de Cuba), o tango andaluz, a mazurca, a polca, a valsa, etc. Esta fusão foi um processo de décadas que se afiançou como um gênero musical de identidade própria na última década do século XIX.

Deveríamos talvez começar pela definição e a origem da palavra, mas a verdade é que ainda hoje há controvérsias e centos de páginas escritas sobre a etimologia e significados, e apenas um comentário sobre isto já excederia os limites desta apresentação, portanto, deixemos falar de maneira um dos grandes poetas do tango, o senhor Enrique Santos Discépolo, que o definia assim: el tango es un pensamiento triste que se baila.

Seguindo aquela ideia inicial segundo a qual uma palavra nos suscita alguns conceitos predefinidos de maneira quase instantânea, poderíamos contribuir com ela no que diz respeito à temática geral do tango. É claro que nas letras e poesias do tango, se aborda um grande número de temas, mas como conceito geral, temos a impressão de que o tango trata do trágico. Não das grandes tragédias à maneira dos gregos ou Shakespeare, não! O tango fala dessas humildes enormes tragédias pessoais, daquele sujeito cinza e sem nome, sem qualidades especiais nem condições de herói, pelo contrário, possivelmente de moral duvidosa e vida escura, que às vezes tem pequenas alegrias numa carreira de cavalos ou num lance amoroso, mas que apenas alcançam para esboçar um sorriso irônico ante tanta dor cotidiana, entre espessas fumaças e intermináveis bebidas, que tentam ofuscar a lembrança da mulher amada, que morre demasiado cedo, ou que nunca corresponderá a esse amor. Quiçá estes seres confundem quase sempre desejo com amor, mas não o sabem, é o poeta quem tem que falar por eles e transformar essas coitas de um homem anônimo e escuro, num espelho para a alma de todos os homens.

No programa de hoje, escutaremos uma ampla variedade de peças que pertencem às diferentes influências estilísticas que foram conformando esse universo tão rico e variado.

Dos escuros e decadentes prostíbulos, portos e cárceres do Rio de la Plata aos salões nobres de Buenos Aires, Paris, Tokyo e New York, o tango representa uma das ascensões mais fulgurantes da história, que foi, é e será capaz de encantar às pessoas de todos os cantos do mundo

Marcos Pablo Dalmacio

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Ciclo de quatro concertos de música clássica começa em maio; apresentações ocorrem no piso G2 do Villa Romana Shopping. Entre maio e agosto, a Série Ressonâncias – Ciclo de Música de Câmara propõe romper as fronteiras tradicionais entre público, música clássica e lugar com quatro concertos gratuitos de um repertório que atravessa séculos — de Beethoven a Piazzolla. As apresentações ocorrem no piso G2  (estacionamento) do Villa Romana Shopping. A estreia será no dia 9 de maio, sexta, às 20h, com o espetáculo Beethoven: A Revolução Musical, numa performance que destaca duas obras emblemáticas do compositor alemão. “A Série Ressonâncias nasce da vontade de democratizar o acesso à música de câmara, mas de um jeito diferente do habitual”, diz Ricardo Müller, diretor artístico do projeto. “Em vez de deslocar o público até o teatro ou os músicos até instituições, pensamos: e se trocássemos o próprio ambiente? Se colocássemos a música no meio do cotidiano, num lugar como o shopping, onde tanta gente circula — inclusive quem nunca teve contato com esse tipo de repertório?”. A ideia é justamente criar um espaço de escuta que seja ao mesmo tempo informal e profundo, capaz de gerar conexões inesperadas entre o público e a música — algo que o próprio nome da série já sugere: Ressonâncias. A programação conta com formações variadas — quartetos, quintetos e trios — e um repertório que vai de Beethoven e Schumann a Piazzolla e Shostakovich, revelando os diálogos e contrastes que atravessam séculos de música clássica. Mais do que uma temporada de música, a Série Ressonâncias é um convite: ouvir com o corpo presente, deixar-se atravessar pelo som, e talvez descobrir, no meio da rotina, um novo jeito de estar em sintonia com o mundo.

Ciclo de concertos mensais começa em maio

O repertório dos quatro concertos dialogam entre si não só pelos temas escolhidos, mas também pelas formações, que terão sempre a presença de cordas como piano, violino e ou violoncelo, por exemplo. A programação começa no dia 9 de maio, com o concerto Beethoven: A Revolução Musical, em formação de quarteto de cordas. A apresentação inclui obras marcantes como o Quarteto de Cordas No. 14 em Dó sustenido menor, Op. 131, uma das obras-primas tardias de Ludwig van Beethoven (1770-1827), e o String Trio No. 4, Op. 9, No. 3, ambas conhecidas pela densidade emocional e ousadia estrutural. Em 6 de junho, um quinteto de piano e cordas apresenta Clara e Robert Schumann (1810-1856): Paixão e Criatividade, uma celebração do legado do casal Schumann com duas obras essenciais do romantismo. O terceiro concerto, no dia 11 de julho, é dedicado ao universo do tango com Piazzolla: Tango de Fato. O programa é inteiramente dedicado ao compositor argentino Astor Piazzolla (1921-1992), incluindo peças emblemáticas como Fuga y Misterio, Adiós Nonino e seleções da Histoire du Tango. “É uma pequena brincadeira também com o nome do concerto. ‘Tango de Fato’ pode ser entendido tanto como um ‘tango verdadeiro’ quanto como um tango ‘vestido’ de algo novo, transformado, como o Piazzolla o reinventou”, afirma Ricardo Müller. O encerramento da série será no dia 8 de agosto, com o concerto Vanguardistas: Ravel e Shostakovich, destacando dois compositores que marcaram a transição para a modernidade com obras que mesclam introspecção e inovação: o Quarteto de Cordas No. 8, Op. 110, de Shostakovich, e o Quarteto em Fá maior, de Ravel. “Estamos trazendo músicos gabaritados, com formação e trajetória nacional e internacional, para tocar em um espaço acessível. A ideia é justamente essa: romper com fronteiras, tanto geográficas quanto simbólicas, e permitir que mais pessoas entrem em ressonância com essa arte”, pontua o diretor artístico da série.

Ensaio aberto no Jardim Botânico

Além dos quatro concertos, o projeto promove um ensaio aberto no Jardim Botânico de Florianópolis dia 3 de maio, às 10h. A atividade busca aproximar o público do processo artístico dos músicos, oferecendo uma vivência educativa e sensível da criação musical. “Dificilmente consigo desvincular arte de educação. Elas são interligadas por natureza. Por isso, o ensaio aberto não é só um momento de preparação, mas uma oportunidade de aprendizado, de aproximação real com o fazer artístico”, diz Ricardo Müller. Nesse sentido, a dimensão educativa é inseparável da proposta artística não apenas do ensaio aberto, mas também das apresentações no estacionamento do shopping. “Mesmo que não sejam concertos didáticos no sentido tradicional, todo contato com a música de câmara tem um potencial formativo. Seja descobrindo quem foi Borodin, que além de compositor era químico, ou entendendo o impacto de Piazzolla no tango, o importante é que as pessoas se sintam parte da experiência, que consigam se identificar e se deixar tocar por essas obras”. A Série Ressonâncias é viabilizada pela Prefeitura Municipal de Florianópolis, Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte e Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Florianópolis. Apoio cultural do Villa Romana Shopping. Produção da Marte Cultural.  

Agende-se

Série Ressonâncias: Ciclo de Música de Câmara

Quando: 9 de maio, 6 de junho, 11 de julho e 8 de agosto, às 20h Onde: Piso G2 (estacionamento) do Villa Romana Shopping, Florianópolis Gratuito

Programação

9 de maio – Sexta-feira, 20h

Beethoven: A Revolução Musical (confira o programa e as notas) Quarteto de Cordas Obras: String Trio Op. 9 nº 3 e Quarteto Op. 131 – Beethoven  

6 de junho – Sexta-feira, 20h

Clara e Robert Schumann: Paixão e Criatividade Quinteto (Piano e cordas) Obras de Clara e Robert Schumann  

11 de julho – Sexta-feira, 20h

Piazzolla: Tango de Fato Quinteto (cordas e violão) Obras de Piazzolla  

8 de agosto – Sexta-feira, 20h

Vanguardistas: Ravel e Shostakovich Quarteto de Cordas Obras de Ravel e Shostakovich
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Programa

Ludwig van Beethoven (1770 – 1827)

Quarteto de cordas nº 11 em Fá menor op.95 “Serioso” (1810)

Allegro con brio

Allegretto ma non troppo

Allegro assai vivace ma serioso

Larghetto espressivo – Allegretto Agitato – Allegro

Alexander Borodin (1833 – 1887)

Quarteto de Cordas nº 1 em Lá maior (1873-1879)

– Moderato – Allegro

– Andante con moto

– Scherzo. Prestissimo – Trio. Moderato

– Andante – Allegro risoluto

Notas de Programa

O quarteto serioso de Beethoven é uma obra especial dentro da sua produção completa. É o mais breve e intenso de todos seus quartetos e antecipa os elementos de estilo que serão associados aos seus últimos quartetos, cuja série começaria mais de uma década depois. O quarteto em Fá menor parece ser a necessidade imperiosa e dramática de expressar algo que não podia continuar em silêncio, e as intenções sérias deste propósito foram inclusive postas em palavras pelo próprio compositor, pois o epíteto ‘serioso’ é dele. Beethoven disse que esta obra havia sido escrita para um pequeno grupo de connoisseurs, e que não devia ter execuções públicas. De fato, foi composto em 1810 (quiçá um pouco depois), estreado privadamente em 1814 e publicado apenas em 1816. As razões disto podem não resultar claras para o ouvinte moderno exposto a todo tipo de música e estilos, mas na época, as sonoridades ásperas deste quarteto, as relações tonais audaciosas, as liberdades na forma sonata, a forte expressão de desassossego, não encontrariam paralelo não apenas em outra música da época, mas até mesmo na mais dramática literatura.

O começo do quarteto, em fortes oitavas, executadas por todos os instrumentos, remete ao primeiro de seus quartetos –curiosamente, em Fá maior– mas a técnica da concisão das ideias e a expressão agitada levam aqui a um mundo expressivo muito diferente.

O segundo movimento, está escrito numa tonalidade normalmente escolhida para música poderosa e brilhante, e que nos instrumentos de arco soa esplendidamente, mas Beethoven escreve uma música que parece contradizer absolutamente todas as características normalmente associadas a essa tonalidade; ele cria uma música que não é agitada, mas intranquila, introduz um tema fugado com tintes cromáticos, que vão escurecendo o que de luminoso poderia ter tido esse Ré maior. O terceiro movimento, que faz a vez do scherzo, é admirável, com uma acentuação rítmica feroz, que tenta ser dissipada na seção central, através de notas longas e uma expressão aparentemente mais serena; mas é uma falsa calma, a própria escolha da tonalidade cria um agressivo contraste com o anterior. O quarteto não possui movimento lento, e essa função recai na introdução do finale, uma larghetto carregado de expressão. Segue-se um allegretto agitato, que confirma a unidade de expressão desta obra prima. Infelizmente, como se a carga emocional deste quarteto beirasse o insuportável (imaginemos a exaltação romântica e o fervor da época) Beethoven adiciona uma brilhante coda em Fá maior que não tem muita relação com todo o percurso da obra até agora, o que levou ao famoso compositor Vincent D’Indy declarar que parecia o final de uma ópera de Rossini e que “nenhuma interpretação poderia diminuir esse erro de um gênio”.

Alexander Borodin dizia que era um ‘compositor de domingos que se esforçava por ser desconhecido’. Ele era um químico de renome e este trabalho lhe deixava pouco tempo para compor. Ironicamente, a que é considerada como a página de música de câmara russa mais bela já composta, foi escrita por ele: se trata do noturno de seu quarteto de cordas em Ré maior. Isto tem eclipsado, em boa medida, seu primeiro quarteto de cordas, também de extraordinária beleza. Nessa obra, Borodin se propôs fazer música eminentemente russa, todavia, curiosamente, depois de uma introdução lírica, que parece um canto folclórico –embora seja de cunho próprio– surge o primeiro tema da forma sonata, e resulta ser uma melodia de Beethoven.

Umas pequenas variantes e os delicados ornamentos a transformam numa melodia que assumiríamos ser perfeitamente russa! Como e porquê Borodin escolheu ou chegou a esse tema, é um mistério, mas resulta interessante saber que a melodia emprestada para o allegro do primeiro quarteto pertence a um novo final que Beethoven escreveu para seu quarteto opus 130, aquele que contém uma fuga gigantesca que não foi bem recebida na época. Esse final adicional foi a última música que Beethoven escreveu, uns poucos meses antes de falecer.

Se no quarteto serioso havia poucos momentos de sossego, neste quarteto de Borodin há poucos momentos de grande tensão, se trata antes do que mais nada, de uma obra plena de lirismo, que emana uma alegria interior de paz e beleza. O segundo movimento é mais introspectivo, e está baseado efetivamente num canto popular russo. Variantes são introduzidas e desembocam num fugato cromático que tensa um pouco o discurso sem abdicar do lirismo; o tema inicial volta novamente. O scherzo é notável pela sua vivacidade rítmica e pelo seu inteligente uso dos harmônicos, que recriam o som de uma harmônica de cristal.

O finale, também se inicia com uma misteriosa introdução lenta e é seguida por um allegro em forma sonata e em modo menor, caraterizado por um motivo de um ritmo marcante; contudo, o lirismo do compositor não demora a reaparecer, com a chegada do segundo tema. Então, a alternância destas ideias, vão criando o percurso deste movimento até concluir de maneira otimista e brilhante uma obra onde tudo flui com facilidade, ocultando que, para um resultado assim é preciso uma mão de mestre, por mais que se esforçasse em ser desconhecido…

Marcos Pablo Dalmacio

 

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